segunda-feira, 27 de agosto de 2012

MEDICINA PERSONALIZADA GANHA FORÇA COM AVANÇOS DA TECNOLOGIA GENÔMICA

Fonte: Estadão

por Herton Escobar / O Estado de S. Paulo

 Anamaria Camargo, Fabiana Betoni , Paula Asprima e Fernada Koyama, na sala dos sequenciadores no Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-libanês. FOTO: CLAYTON DE SOUZA/AE


As amostras de DNA entregues a Frederico e Griselda (dois aparelhos sequenciadores, de US$ 600 mil cada, que dão apoio às pesquisas de medicina personalizada) são oriundas de células tumorais, nas quais os cientistas buscam mutações específicas que possam servir como marcadores genéticos da doença. Marcadores específicos não só para cada paciente, mas para cada tumor individual. “O tumor já é personalizado por natureza. Falta a gente personalizar o tratamento”, diz o bioquímico Luiz Fernando Lima Reis, diretor do IEP. Ele refere-se ao fato de que cada paciente tem um tumor diferente de qualquer outro, refletindo uma combinação única de alterações genéticas e de interações bioquímicas do genoma com o organismo e com o ambiente de cada indivíduo.
Algumas mutações são herdadas, outras são consequência natural do envelhecimento, outras são induzidas por fatores “ambientais”, como o fumo ou a exposição excessiva à radiação solar. Independentemente de como foi plantada a semente, porém, a raiz do câncer é sempre genética.
E assim como duas árvores da mesma espécie e muito parecidas podem ter raízes distribuídas de forma muito diferente pelo solo, dois pacientes diagnosticados com a mesma doença e com sintomas muito semelhantes podem ter tumores com raízes genéticas completamente diferentes espalhadas por seus genomas. O que significa que suas doenças, ainda que dadas o mesmo nome, vão evoluir de forma diferente e responder a determinados medicamentos de formas diferentes.
Um conceito que se tornou óbvio para médicos e cientistas nos últimos dez anos, à medida que as tecnologias desenvolvidas para sequenciar o genoma humano foram ficando mais rápidas, eficientes, baratas e acessíveis. Daí nasceu a promessa da “medicina personalizada”, que adota o sequenciamento genético como sua ferramenta básica de trabalho.
Em várias situações, já é possível customizar o tratamento de pacientes com câncer com base na presença ou ausência de determinadas alterações genéticas. No câncer de pulmão, por exemplo, sabe-se que pacientes portadores de uma mutação no gene EGFR respondem muito bem a drogas inibidoras de EGFR (Receptor do Fator de Crescimento Epidermal, em inglês), enquanto que tumores com mutações no gene K-RAS são resistentes a essas mesmas drogas. “Em vez de testar vários remédios, você dá o remédio certo logo da primeira vez”, explica Reis.
Ótimo, mas não suficiente. Além de escolher o melhor tratamento, cientistas agora querem usar a genômica para monitorar a recuperação dos pacientes e garantir que o câncer, uma vez “curado”, não retorne mais tarde de forma sorrateira, sem ser percebido, como muitas vezes acontece.
Monitoramento. Nesse cenário, um dos projetos do Centro de Oncologia Molecular é usar a genômica personalizada para desenvolver métodos de detecção supersensíveis, capazes de denunciar a presença de tumores “invisíveis” – pequenos demais para serem vistos até numa tomografia ­– com base em uma amostra de sangue. A denúncia, neste caso, não é anônima: vem com o nome e o retrato falado do suspeito, identificado pelas mutações específicas que aquele tumor utiliza para funcionar.
Imagine a seguinte situação: Um paciente com câncer de reto faz quimioterapia e radioterapia e, ao fim do tratamento, uma análise clínica conclui que não há mais vestígios do tumor naquele local. Do ponto de vista clínico, o paciente está curado.
O que seria motivo para comemoração apenas, porém, marca também o início de um dilema. O procedimento padrão é retirar o reto assim mesmo, por precaução – uma cirurgia complicada e com impactos profundos na qualidade de vida do paciente. A pessoa pode optar por não operar, mas há sempre o risco de o câncer voltar, pois sempre podem sobrar algumas células tumorais que os exames clínicos não conseguem detectar.
É com esse tipo de caso que os pesquisadores estão trabalhando para desenvolver um método de detecção precoce de tumores via sequenciamento. “O objetivo é prever a volta do tumor antes mesmo que ele seja detectável clinicamente”, explica a geneticista Anamaria Aranha Camargo, coordenadora do centro e diretora do Instituto Ludwig para Pesquisa do Câncer no Brasil.
O primeiro passo é obter uma amostra do tumor. O segundo é sequenciar o genoma das células tumorais. O terceiro, e mais trabalhoso, é identificar, com base nesse sequenciamento, marcadores moleculares que sejam específicos daquele tumor e permitam diferenciá-lo das células sadias do organismo. “Tiramos uma impressão molecular do tumor, como se fosse a impressão digital de uma pessoa doente”, compara Anamaria.
Os marcadores selecionados não são mutações pontuais na sequência de DNA, mas alterações cromossômicas chamadas translocações, em que pedaços de um cromossomo se fundem com outro cromossomo – algo que não ocorre em células sadias e pode ser detectado com facilidade via sequenciamento.
Detecção. Por menor que seja, à medida que um tumor se desenvolve ele libera DNA e células tumorais na corrente sanguínea, que carregam a “impressão molecular” da doença. Com as tecnologias modernas de biologia molecular, é possível rastrear e amplificar (produzir milhões de cópias) desse “DNA circulante” do sangue com facilidade. Se a impressão molecular do tumor estiver circulando por ali, é fato que ela será detectada.
“Com o custo do sequenciamento caindo cada vez mais, já é hora de começarmos a fazer isso”, argumenta Anamaria. Seu grupo, que trabalha em parceria com a médica Angelita Habr-Gama, está testando a metodologia em amostras de tumor e sangue de sete pacientes que tiveram câncer de reto. Um deles passou por terapia, continuou com o tumor, e fez a cirurgia para remoção do reto. Outro passou pela terapia, ficou sem sinais clínicos de tumor, mas optou por retirar o reto assim mesmo. (Neste caso, uma análise posterior do órgão retirado confirmou que o tumor realmente havia desaparecido – ou seja, a cirurgia não era necessária e poderia ter sido evitada se o teste molecular já estivesse disponível.)
Os outros cinco pacientes tiveram resposta clínica positiva ao fim do tratamento e, após vários meses, três continuam sem sinais clínicos da doença e dois tiveram recidiva e foram obrigados a operar.
Com o apoio de Frederico e Griselda – e de uma equipe robusta de biólogos e bioinformatas – Anamaria já mapeou as translocações dos sete pacientes e espera ter esses dados validados nas próximas semanas. Em seguida, vai procurar por essa “impressão digital” nas amostras de sangue (coletadas antes e depois do tratamento) e ver se os resultados moleculares batem com o que foi observado clinicamente. No sangue do paciente que retirou o reto sem necessidade, por exemplo, espera-se não encontrar nenhum vestígio de DNA tumoral circulante. “A avaliação da eficácia do tratamento é fundamental numa situação como essa”, aponta Anamaria.
Apesar da metodologia estar sendo testada em câncer de reto, se comprovada, ela tem potencial para ser aplicada em uma grande variedade de tumores. Essencialmente, em qualquer situação clínica em que haja risco de recidiva. E também para detectar a presença de metástases – tumores secundários, derivados do tumor principal, que podem permanecer escondidos em outros órgãos depois que o foco da doença foi eliminado. Uma vez registrada a impressão molecular do suspeito, basta procurar por ele – ou por seus filhos – numa amostra de sangue. “Se o DNA tumoral estiver no sangue, pode procurar que em algum lugar ainda tem tumor”, conclui Reis.






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