segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Estatina na Doença Falciforme: As ligações entre hemólise, inflamação e infecção.




No último número do Journal of Clinical investigation há um artigo (Statins protect against fulminant pneumococcal infection and cytolysin toxicity in a mouse model of sickle cell disease) demonstrando o benefício do uso de estatina na proteção contra a infecção pneumocócica no modelo murino de doença falciforme (DF).
Embora pareça desnecessário lembrar, a demonstração de um efeito em modelo experimental não significa que algo semelhante ocorra no homem. Contudo, pode reforçar a necessidade de investigação semelhante no homem.
A doença falciforme é transtorno genético mais comum no mundo. Estima-se que haja 300.000 novos indivíduos afetados por ano. Além da hemólise intravascular e inflamação, a DF é caracterizada pela incidência elevada de infecção pneumocócica invasiva, o que pode levar à sepse fulminante. Há uma relação entre estes fenômenos. A hemólise leva à inflamação e a infecção invasiva é facilitada pelo estado pró-inflamatório (a inflamação aumenta a endocitose do pneumococo, via receptor, em células epiteliais e endoteliais).
Em condição de equilíbrio, a hemoglobina liberada é removida por proteínas como a haptoglobina. Nas enfermidades com elevada hemólise, a hemoglobina livre forma tetrameros os quais se dissociam em dimeros. Na presença de radicais livres, os dímeros de hemoglobina são oxidados em metemoglobina com liberação do heme. O heme livre leva a explosão respiratória intensa e dano tecidual. Este é um mecanismo presente em várias doenças que cursam com hemólise e tem sido bastante estudado na malária (veja “Cerebral malaria and the hemolysis/methemoglobin/heme hypothesis: shedding new light on an old disease”). 
Como as estatinas, além de sua atividade de redução do colesterol, possuem efeito anti-inflamatório, os autores do artigo testaram a hipótese que a redução da inflamação crônica, através do uso da estatina, resultaria em melhora da infecção pneumocócica na doença falciforme. Os resultados mostra que a hipótese estava correta: o uso da estatina levou a um aumento de sobrevida dos camundongos após o desafio com pneumococos.
A avaliação dos mecanismos de proteção mostrou:
“The protective effect resulted in part from decreased platelet-activating factor receptor expression on endothelia and epithelia, which led to reduced bacterial invasion. An additional protective effect resulted from inhibition of host cell lysis by pneumococcal cholesterol-dependent cytotoxins (CDCs), including pneumolysin. We conclude therefore that statins may be of prophylactic benefit against invasive pneumococcal disease in patients with SCD and, more broadly, in settings of bacterial pathogenesis driven by receptor-mediated endocytosis and the CDC class of toxins produced by Gram-positive invasive bacteria.”
Este estudo ilustra a necessidade de interpretar cuidadosamente a relação entre inflamação e proteção. A resposta imune tanto tem papel protetor como é capaz de promover dano tecidual e nem sempre é possível separar estes dois aspectos. A inflamação pode conferir vantagens aos patógenos, ao aumentar a expressão de receptores que podem ser utilizados para invasão celular. 
Est modus in rebus e devemos nos acautelar de conselhos como Quod abundat non nocet.



Rosch, J., Boyd, A., Hinojosa, E., Pestina, T., Hu, Y., Persons, D., Orihuela, C., & Tuomanen, E. (2010). Statins protect against fulminant pneumococcal infection and cytolysin toxicity in a mouse model of sickle cell disease Journal of Clinical Investigation DOI: 10.1172/JCI39843

ResearchBlogging.org

2 comentários:

  1. Estas estatinas são milagrosas. Deveriam estar presentes na água potável.

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  2. Estão presentes na minha desde os 26 anos. E se for divulgado alguma coisa ao contrário... eu não leio!

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